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| Divulgação/Pablo Cáceres: Comunidade e empresarios em protesto |
Em uma decisão que marca um divisor de águas para o turismo no Nordeste brasileiro, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) determinou, de forma definitiva, a proibição da cobrança de ingresso para acesso à Vila de Jericoacoara, no litoral do Ceará.
A histórica votação, ocorrida por 2 votos a 1, representa uma vitória significativa para o princípio do acesso livre às praias e consolida uma visão mais democrática e inclusiva do turismo em um dos destinos mais icônicos do Brasil.
O Início da Controvérsia: Um Projeto de Taxação Ambicioso
A polêmica que chegou ao TRF5 teve origem em uma proposta da concessionária Urbia Cataratas, gestora do Parque Nacional de Jericoacoara (PARNA).
A empresa implementou um audacioso modelo de cobrança gradual para visitar a vila, que representaria um aumento substancial nos custos para os turistas. O plano, considerado por muitos como abusivo, estabelecia:
Primeiro ano: R$ 50 por pessoa/dia
Progressão anual até atingir
Valor final após 5 anos: R$ 120 por pessoa/dia
É crucial esclarecer que esta taxa proposta era completamente distinta da Taxa de Turismo Sustentável (TTS) - tradicionalmente cobrada a R$ 41,50 para 10 dias de acesso às áreas do parque nacional.
Enquanto a TTS tem como objetivo a manutenção e preservação da unidade de conservação, a nova taxa visava especificamente o acesso ao núcleo urbano da vila, um espaço já consolidado e com características próprias.
Quadro Retrospectivo: A Trajetória da Resistência Popular
A resistência à implementação da taxa foi imediata e organizada, formando uma frente ampla de oposição.
Uma poderosa alianança entre a Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara, conselhos comunitários locais, entidades empresariais da região e o Ministério Público Federal (MPF) moveu uma ação judicial que resultou em uma liminar suspendendo a cobrança ainda no início do ano.
A decisão do TRF5 agora confirma e torna definitiva essa liminar, enterrando definitivamente o controverso projeto de taxação.
Análise dos Votos: Os Fundamentos Jurídicos da Decisão
A análise minuciosa dos magistrados no TRF5 centrou-se essencialmente nos limites legais da concessão concedida à Urbia Cataratas:
Maioria (2 votos - Pela Proibição):
Desembargador Paulo Cordeiro (Relator): Sua argumentação foi categórica ao afirmar a ilegalidade da cobrança. Destacou que a Vila de Jericoacoara não integra a área do Parque Nacional, constituindo-se como uma área urbana distinta e autônoma. Fundamentou seu voto no entendimento de que a concessionária extrapolou completamente os limites de sua atuação, violando frontalmente o direito fundamental de ir e vir garantido constitucionalmente.
Desembargador Paulo Roberto Machado (Presidente da Turma): Seguiu integralmente a fundamentação do relator, reforçando a tese de que a vila representa uma entidade jurídica e urbanística distinta do parque.
Voto Vencido (1 voto - Pela Validação):
Desembargador Edilson Nobre: Manifestou entendimento divergente, posicionando-se pela validade jurídica da cobrança proposta pela concessionária.
Impacto Imediato e Reações da Comunidade
A repercussão da decisão em Jericoacoara foi de enorme alívio e celebração. Para os moradores e empresários locais, a decisão representou a prevenção de uma verdadeira asfixia econômica que poderia ter consequências devastadoras para a economia local.
Depoimentos que Ilustram o Alívio da Comunidade:
Lucimar Vasconcelos (Líder do Conselho Comunitário): "Finalmente os desembargadores entenderam o drama pelo qual nossa vila vem passando. Esta decisão resgata a essência democrática de Jericoacoara."
Delphine Estevenet (Representante do Conselho Empresarial): "Sem dúvida, esta decisão salvou nosso vilarejo. Jericoacoara sobrevive e prospera através do turismo acessível. A taxa inviabilizaria a visita de milhares de pessoas, impactando diretamente hotéis, pousadas, restaurantes, guias turísticos e toda a cadeia produtiva local."
Leandro Cezar (Prefeito de Jijoca): "Celebramos esta vitória do direito de livre acesso dos cidadãos, visitantes e trabalhadores. Jericoacoara pertence ao povo!"
Quadro Comparativo: Entenda as Diferenças Fundamentais
| Aspecto | Proposta da Urbia Cataratas | Decisão do TRF5 |
|---|---|---|
| Valor | R$ 50 a R$ 120 por pessoa/dia | Acesso gratuito |
| Abragência | Taxa sobre a vila + parque | Mantém apenas TTS para o parque (R$ 41,50/10 dias) |
| Base Legal | Alegava poder sobre a vila | Reconhece vila como área urbana distinta do parque |
| Impacto Turístico | Restritivo e elitizante | Democratização do acesso |
| Apoio Local | Rejeitada por comunidade e empresários | Celebrada pela população e trade turístico |
| Fundamentação | Interesse comercial da concessionária | Direito constitucional de ir e vir |
Curiosidade Jurídica: A Natureza Dual de Jericoacoara
Um aspecto crucial, e talvez pouco conhecido do grande público, que definiu o desfecho do caso é a peculiar natureza jurídica de Jericoacoara.
É fundamental compreender que a Vila de Jericoacoara não se confunde com o Parque Nacional.
Na verdade, ela é legalmente categorizada como uma Área de Proteção Ambiental (APA), caracterizando-se como um núcleo urbano consolidado com regras específicas de uso e ocupação.
O Parque Nacional (PARNA), por sua vez, compreende a área de preservação ambiental mais restritiva que circunda a vila.
Esta distinção legal foi absolutamente fundamental para a argumentação vencedora no TRF5, pois evidenciou que a concessionária do parque não detém competência legal para cobrar pelo acesso à vila.
Consequências e Próximos Passos
Com a decisão definitiva do TRF5, o acesso a Jericoacoara permanece livre e gratuito, mantendo-se a cobrança da TTS apenas para os visitantes que desejarem acessar as áreas específicas do parque nacional, como a famosa Pedra Furada, as dunas e as lagoas.
O Diário do Nordeste apurou que a Urbia Cataratas foi contactada para se manifestar sobre a decisão e sobre a possibilidade de interposição de novos recursos, mas não enviou qualquer posicionamento até o fechamento desta edição.
A vitória judicial, portanto, parece estabelecer um ponto final em uma das mais significativas polêmicas recentes do turismo cearense, reafirmando Jericoacoara como um patrimônio natural e cultural de todos os brasileiros.

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